Clara Ferreira Alves, Expresso, 22 de Novembro: "(...) não gosto de José Sócrates. Nem desgosto. Sou indiferente à personagem." Sérgio Figueiredo, Diário de Notícias, 24 de Novembro: "Gosto de Sócrates". Pedro d'Anunciação, Sol, 26 de Novembro: "(...) não se pense que eu simpatizo especialmente com Sócrates." António Cunha Vaz, Diário de Notícias (Madeira), 27 de Novembro: "Não gosto mesmo de Sócrates." Vasco Pulido Valente, Público, 28 de Novembro: "Nunca gostei da personagem política José Sócrates". Pedro Marta Santos, Sábado (online), 28 de Novembro: "Não gosto do político José Sócrates." Elina Fraga, 29 de Novembro: "Posso odiar Sócrates, mas tenho de me bater para que ele beneficie do direito de se defender." Teresa de Sousa, Público, 30 de Novembro: "Não gosto nem desgosto de Sócrates."

A este levantamento faltam muitas declarações feitas em órgãos de comunicação social e ainda mais declarações feitas no âmbito de conversas mantidas em snack-bares. Quando o assunto é José Sócrates, quase ninguém prescinde de registar uma declaração de interesses afectivos. O facto de esta declaração de interesses não ter interesse nenhum é muito interessante. Sócrates foi detido e acusado de crimes graves, e vai ser julgado por isso. A afeição que uns lhe têm e outros deixam de ter é irrelevante. O que está em causa aqui não é a prática política (que já foi julgada em 2005, 2009 e 2011) nem a personalidade (para a qual, felizmente, não há tribunais, caso contrário eu estaria há muitos anos na Carregueira). A sentença é independente da simpatia ou antipatia que um réu desperta. Há criminosos que são seres humanos adoráveis (nos filmes, é raro haver um recluso que não seja encantador), e há péssimas pessoas que nunca praticaram ilegalidades. Ser simpático não livra ninguém da cadeia, e ser um energúmeno não é ilegal (e ainda bem, caso contrário eu estaria há muitos anos na Carregueira).

Mas o mais interessante é a excepcionalidade desta manifestação maciça de amor e desamor. Não ocorre a ninguém dizer o mesmo de outros réus ("não se pense que eu simpatizo especialmente com Manuel Palito"), nem mesmo de outros antigos políticos que são agora réus ("posso odiar Duarte Lima, mas tenho de me bater para que ele beneficie do direito de se defender"). Na verdade, ninguém odeia Duarte Lima. Nem mesmo os que já o ouviram tocar órgão. E também ninguém ama Duarte Lima. Sobretudo os que já o ouviram tocar órgão. Mas José Sócrates, ao que parece, conseguiu penetrar no universo dos afectos. Não no meu, devo dizer. Guardo a minha afeição para um conjunto de coisas realmente importantes, ao qual não pertencem actuais ou antigos primeiros-ministros. Eu gosto, por exemplo, de arroz doce. Mas não se pense que simpatizo especialmente com gelatina. No entanto, se uma taça de gelatina ou um prato de arroz doce forem acusados de corrupção, branqueamento de capitais e burla agravada, espero que tenham um julgamento justo. Não virei para a rua gritar que o arroz doce é inocente e que a gelatina nunca me enganou.